No interior é
assim, tudo muito simples, sem o conforto da cidade grande, nem todos lugares
chegam a luz elétrica, em compensação,
têm outros tipos de claridades: a noite quando não chove, têm as estrelas do
céu tão brilhantes, chuva de meteoros, luar nas fases da lua crescente e cheia e mais os vaga-lumes para iluminar o céu e a
terra.
Não foi num dia assim
de claridade que cheguei lá ,quando fui de férias com o meu filho de seis anos,
pelo o contrário, tinha chovido muito um dia antes. Foi na boca da noite numa
escuridão que chegamos de ônibus precário,o meu sogro foi nos esperar no leito
da estrada com uma besta para carregar a bagagem, cheguei até a montar nela, mas o corpo reclamava,
preferi ir mesmo à pé .atravessamos por dentro do ribeirão rumo a um lugarzinho
no meio do nada, nem nome não tinha, era chamado de “Roça”e nada mais,pertencia
a cidade de D. Joaquim, Oeste de Minas Gerais, lá onde o vento fazia a curva e
o ”’danado perdeu as botas, o cachimbo e as capa,( eu acho )
Antes de atravessar a porteira do sítio, de cara escorreguei e
caí numa poça de lama, para quem ia visitar o sogro e a sogra chegar enlameada para dar um abraço, era
vexame, mas, tudo bem, o meu filho levou a melhor, no cangote do avó, vamos lá.
Foi uma festança, uma
bela recepção , até os parentes da família que moravam em volta, vieram ,um
povo simples e acolhedor.A água quentinha no fogão de lenha já me esperava, depois
de um banho quente, jantamos, aquela
janta deliciosa , era galinha caipira com polenta e taioba refogada, acompanhada
com vinho feito de jabuticaba.
Dormi cedo para matar o cansaço da viagem, afinal foram sete
horas de estrada de chão em montanhas altas, mesmo que não fosse, a gente do
interior, dormem cedo, um pouco depois das galinhas. Choveu a noite inteira, serviu
para me fazer adormecer mais rápido.
Acordei com o mugido das vacas e bezerros na hora de tirar o
leite, e os cocoricó dos galos e galinhas. Pulei da cama, já com o cheiro aromático do café pronto, quitutes : pão de
queijo, biscoitos de polvilho, bolachas de nata, broa de milho,preparados pela tia, irmã da minha sogra, queijo e leite fresco, requeijão feito na hora
pela sogrinha , até esfumaçava de quentinho.
Sai no alpendre da casa
espichei-me e dei de cara com aquele cenário de pura beleza, fiquei encantada com tudo, nunca na minha vida
estive num lugar assim...Era um vale Meu
Deus! Tudo em volta era lindo,a natureza caprichou, muito verde cercado de
palmeiras, pomar de laranja, bananeira, cana de açúcar Lá na estrada por onde
havia passado à noite avistei a única escola daquele vale, foi ali que todos os
que nasceram e cresceram, estudaram,
aprenderam o básico., um pequeno engenho para moer cana e fazer cachaça melado, rapadura, Aos meus olhos tudo era
encantador, é como se fosse um sonho.
O meu filho acordou, tomou café, logo fez amizade com um filho
de um colono da mesma idade e foram ao ribeirão pescar. Enquanto isso,
deliciei-me com aquele banquete do café matutino. Em seguida fui conhecer o
vale, quanto mais andava, mais encantada ficava, mesmo ter avistado uma jiboia atravessando
a estrada, subindo num barranco, parei e fiquei na minha,(não tenho medo de
cobra) apenas assustei, deixe-a ir
tranquilamente seguir seu caminho, .
O almoço foi uma panelada
de carne de porco guisada com feijão tropeiro torresmo e couve refogada, hummmm,
depois uma bela soneca na rede, só no sossego.
A noite veio diferente se mostrar como ela é quando a chuva deixa,
foi aí que presenciei aquele cenário de luzes, era uma mistura de lua e
estrelas , mexeu comigo, foi o que mais me envolveu , tudo ali tinha cheiro de
paz, tranquilidade, harmonia,os animais no curral, as galinhas no poleiro das
árvores, o gato se esquentando na beira do fogão de lenha, o cachorro dormindo
no alpendre , na hora veio um
pensamento, o presépio de Jesus era assim, senti uma paz imensa que tomou conta
de mim.
Proseamos um pouco em volta do quentura do fogão de lenha,
era ali o ponto de encontro todas as
noites. O meu filho se recolheu cedo, também ficava o dia inteiro se distraindo
com pescaria, atrás dos animais, correndo no vale.. Comparei aquele cenário com uma pracinha, com bancos em
volta, em cima do fogão um toco pequeno tirado de um tronco de árvore, que
o meu sogro gostava de sentar e acender o seu cigarro de palha, a minha sogra
pitando o seu cachimbo e eu a tagarelar, perguntar de tudo, sim tudo eu queria
saber.
Perguntei o porquê daquele lugar tão lindo e maravilhoso não ter um nome
decente, o nome roça era a plantação para mim, sugeri um nome, batizar,
gostaram da ideia, prometi no dia
seguinte providenciar, perguntei se tinha um pouco de tinta,o meu sogro disse
que sim, piche (risos)
Amanhecera, era dia de
domingo de sol, ansiosa estava para pichar a porteira, batizar aquele paraíso
terrestre, ganhou um nome
“Vale do Silêncio”.
Ô tempo bom aquele , no
ano de mil novecentos e bolinha!
Dora Duarte